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Arquitetos: hyperSity Architects
- Área: 1100 m²
- Ano: 2024

A Arca Arquitetônica: Renovação do Pátio Antigo Jiakaxia na Barkhor Street — Em Lhasa, o entorno da Barkhor Street, centrado no Templo Jokhang, é o núcleo mais movimentado da cidade. Residências oficiais de monges e autoridades leigas convivem ali com inúmeras casas, lojas e estalagens, formando a configuração única de sincretismo urbe-mercado-templo. O lote do projeto, “Jiakaxia” (em tibetano, “Pavilhão da Pega”), leva esse nome pelas pegas que costumavam habitar os salgueiros plantados pela princesa Wencheng e simboliza o profundo laço de “harmonia como uma só família” entre povos Han e tibetano. Trata-se de um pátio misto de dois andares, em estilo blockhouse, que combina a histórica arquitetura comercial tibetana voltada para a rua com a “Paradise Time Bookstore”, construída por inquilinos no fim dos anos 1990 nos fundos. Nessa justaposição, a alvenaria de pedra tibetana dialoga com concreto, estruturas leves de aço, coberturas plásticas e painéis metálicos coloridos.


Inspirado por profunda reverência ao pátio ancestral, um comerciante nepali devoto iniciou sua restauração, disposto a salvar a estrutura milenar do desgaste e reordenar as adições caóticas do fundo. O objetivo é explorar um modelo de preservação, herança e evolução da arquitetura tibetana. A intervenção adota estratégia dupla: restaurar a frente com artesanato tradicional tibetano e, no espaço traseiro restrito, criar um pátio sereno contemporâneo “pós-tibetano-pós-chinês”. Combinando técnicas construtivas Han e tibetanas, o novo desenho supera as limitações escuras, de paredes espessas e vãos pequenos típicas das casas tibetanas, inserindo vãos amplos e panos de vidro piso-teto para acomodar a vida urbana moderna.


Mantendo a circulação do caminho de preces (kora), o projeto cria uma experiência arquitetônica percorrível. A partir do portão principal na Barkhor Street, o visitante atravessa um salão expositivo central até um poço sagrado onde, diz-se, o 6.º Dalai Lama, Tsangyang Gyatso, tomava chá. Um átrio sobre o poço emoldura o céu, e a nova edificação o contorna para preservar seu valor histórico. No terraço, avista-se o imponente Palácio Potala, os telhados dourados do Jokhang e o formigueiro humano da Barkhor Street, compondo um mirante urbano dinâmico (观景台). Escadas partindo do pátio interno levam à cobertura, estabelecendo uma circulação tridimensional que torna labirínticos e variados os mil metros quadrados do conjunto.



A construção evita dois extremos: nem imita um esqueleto de concreto han adornado por símbolos tibetanos superficiais, nem recorre exclusivamente a métodos tradicionais caros e incompatíveis com as demandas atuais. Em vez disso, mescla armações de concreto a alvenaria tibetana, afinando paredes e ampliando a luz natural sem sacrificar autenticidade. Exemplo disso é a técnica “Jiabalé” — camadas alternadas de pedras grossas e finas, com seixos de preenchimento, criando um “pagode” sismorresistente — agora reinterpretada em paredes de 40 cm com vergalhões a cada 50 cm.



Portas e janelas de madeira, entalhadas por artesãos de Shannan, exibem beirais “Basu” e o motivo “Feizimu” (madeira em balanço) e são embutidas na estrutura híbrida de concreto e pedra. As fachadas recebem o tradicional reboco de leite de ovelha de Yangbajing, mistura de cal, leite, açúcar e mel que confere textura e durabilidade.


O pátio renasce como um organismo de camadas sobrepostas — público e íntimo, transitório e perene. Adentrando por um alpendre baixo que rompe a malha urbana densa, o visitante descobre um “bolso-pátio” aberto, onde espaços em múltiplos níveis conectam zonas funcionais e prolongam a vida pública para dentro do edifício. Linhas curvas, inspiradas na posição do poço, conduzem o percurso e expandem a percepção, ecoando em escadas, guarda-corpos e detalhes de parede. Hoje, errantes urbanos e buscadores espirituais dividem esse espaço — meditarem, fotografarem ou simplesmente observarem — transformando o pátio num ponto de convergência em que diferentes estratos sociais e identidades se cruzam através do tempo e do espaço.










































